segunda-feira, 8 de março de 2010

O Outro Diário de Bordo 5: vida noturna



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O Diário do R. 1 | 2 | 3 | 4 | 5

Todo mundo que acompanha os blogs do meu excelentíssimo marido R. (digo logo que os blogs são só dele porque é mais fácil vaca latir do que eu conseguir marcar presença aqui, hehehe) sabe que a descoberta pessoal de nossa (homos)sexualidade foi tudo, menos tranqüila - e tenho certeza de que a de todos vocês também foi, em maior ou menor grau, bem turbulenta. É sempre assim, né? No meu caso, mesmo vivenciando muitas experiências "na área" antes mesmo de chegar aos 18 anos, ainda me sentia angustiado e meio perdido. O fato: eu sabia que não estava sozinho no mundo, mas não fazia idéia de onde encontrar meus "semelhantes" - os outros garotos e jovens adultos gays, que era o núcleo com a qual eu gostaria de estar para aliviar um pouco a barra de me esconder em mentiras e omissões perante família e amigos.

Mal sabia eu que a cidade onde morei boa parte de minha vida, São Vicente, era uma das cidades mais visadas do mundo gay por abrigar um dos maiores pólos simpatizantes do estado: a tal Barraca da Cris e as infames boates GLS do alto do Ilha Porchat. Uma luz no fim do túnel!

Um belo dia, me enchi de coragem e, mesmo apavorado com a possibilidade de cruzar com algum conhecido ou algo do gênero, decidi conhecer a Barraca da Cris. Eu sabia que o negócio pegava fogo por volta da meia-noite até umas duas da madrugada, hora em que o povo seguia para as boates da moda. Meu plano era só ir até lá, beber um refrigerante e fumar uns cigarrinhos para depois ir embora. Não tinha intenções de conhecer alguém e terminar a noite dando uns amassos (ou dando algo mais, hahaha) em algum canto. Eu só precisava mesmo estar perto de gente igual a mim.

Enfim, avisei em casa que sairia para uma festa e não tinha hora para chegar. E fui até a Barraca da Cris. Um quiosque à beira-mar, lotado de toda espécie de gays, desde os mais novos como eu até os mais maduros, lésbicas, drag-queens... muita gente nas mesinhas do quiosque, comendo porções de qualquer coisa e bebendo muito, e uma multidão de gays em volta, conversando, dançando ao som de techno e vários casais de todas as combinações possíveis (!) namorando livremente sem a preocupação de sofrer retaliações ou ser reconhecidos. Aquilo, pra mim, era a mais perfeita tradução do "paraíso". Naquele primeiro momento, fui tomado por uma emoção meio difícil de descrever - pela primeira vez, me senti "em casa", como nunca havia me sentido.

Logo nesta primeira noite, decidi que não seria um sujeito completo se não entrasse, mesmo que por alguns minutos, em uma das boates do Ilha Porchat. Pouco importava se eu estava sozinho, se passaria a noite sozinho, ou de que forma iria embora às tantas da madrugada. Eu PRECISAVA fazer aquilo. Então, quando uma drag-queen, hostess de uma das casas noturnas, passou por mim distribuindo flyers, peguei um. E entrei no primeiro táxi que vi e subi o Ilha Porchat em direção a uma das boates.

Um mundo novo, posso dizer. Logo na entrada, fui abordado pelo garoto que identificarei aqui como G., que só me disse um "oi, tudo bom?" antes de me envolver em um beijo hiper-intenso. Os primeiros instantes foram aterrorizantes: mesmo estando em um ambiente gay, não consegui assimilar a idéia de beijar um outro garoto na frente de várias outras pessoas. Aos poucos, fui me deixando levar por aquele beijo, e então tudo fluiu normalmente. O G. me levou para conhecer os outros ambientes da boate: a pista de dança, o bar, o terraço (onde rolava uma deliciosa música ao vivo), o dark-room (onde o G. me forneceu uma das melhores sessões de sexo-oral que já recebi, hehehe), o palco de shows - onde uma drag-queen caricata que ninguém conhece chamada Sylvetty Montila quase me fez molhar as calças de tanto rir com suas piadas maravilhosas... :-D

Mais tarde, naquela mesma noite, fiquei sabendo que o G., um menino lindo com traços levemente orientais, era da Grande São Paulo e desceu a serra com alguns amigos só para ir àquela boate. Ele me disse, enquanto estávamos no terraço, que não se desgrudaria de mim e que só largaria minha mão na hora de ir embora - o que aconteceu lá pelas 5:30 da manhã, com o dia já clareando. Não preciso dizer que voltei para casa pisando em nuvens, mesmo sabendo que jamais encontraria o G. novamente - curiosamente, descobri anos depois através de uma ferramentinha chamada Orkut que o G. é amigo pessoal de um grande amigo meu, um dos cabeças de um site de Internet onde trabalhei, que sequer desconfia de minha homossexualidade. Mundinho pequeno, esse. ;-)

Cheguei em casa com a sensação satisfatória de ter finalmente descoberto meu lugar e minha família. Passei os vários meses seguintes freqüentando assiduamente a Barraca da Cris e as várias casas noturnas GLS do litoral de SP fim de semana após fim de semana, conhecendo pessoas, beijando alguns meninos e dormindo com outros meninos, dançando enlouquecidamente, emocionando-me com as saborosas melodias da bandinha de música ao vivo do terraço daquela boate, rindo até doer com as estúpidas tiradas das drag-queens caricatas... Acima de tudo, me sentindo feliz como nunca, privilegiado até, por ser homossexual, por poder ser eu mesmo, ainda que por poucas horas, sem medo de retaliações ou de manifestações de preconceito e afins. Ali, ninguém me criticaria por eu ser... eu. Senti em mim o verdadeiro significado do termo gay pride, embora nunca tenha sido, de fato, um militante.

O próximo passo, a meu ver, seria assumir de vez este orgulho em ser o que sou... perante aqueles que jamais imaginariam que eu pudesse ser o que sou. Sim, a hora de revelar meu grande segredo. Mas isso, fica para uma próxima! ;-)

Ass.: L.

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