segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Diário do Leitor


Meu amigão E. se empolgou e nos presenteou com mais um texto (veja o primeiro texto clicando aqui). Desta vez ele vai um pouco para o seu passado e mostra suas primeiras experiências emocionais.

Nunca fui hetero convicto. Muito pelo contrário. Sempre soube que gostava de homens. Mas venho de uma família de mais três irmãos homens, que somente conversavam sobre mulheres, carros e futebol. Acabei tendo alguns relacionamentos com mulheres. Namorei, transei e por algumas vezes pensei que seria possível ignorar meu lado homossexual e aceitar a facilidade que era a aceitação da sociedade atual. Pensei, inclusive, que me casaria com minha última namorada. Ledo engano... Hoje ela está casada sim; mas não comigo!

O ano era 2006. Morava sozinho nessa época. Estava quase terminando meu curso de graduação. E estava tendo um, sei-lá-se-posso-chamar-assim, affair com minha vizinha. Mas era 2006 e após um jogo da Seleção Brasileira da Copa do Mundo da Alemanha, minha vida mudou completamente. Como muitos, fui assistir ao jogo na casa de um amigo. Bebemos um pouco e depois do fim do jogo descemos para nos encontrar com o resto da turma. Iria me encontrar com a minha vizinha. Tanto encontrei que fiquei com ela uma parte da noite. Mas também fiquei com mais alguém.

Fora da nossa roda de turma existia uma outra roda de um outra turma. E nessa outra roda, estava aquele que destruiu toda uma conduta que eu praticava há anos.

Nas minhas relações homossexuais, gostava de ter o controle da situação e, para isso, nunca me permitia mais de um encontro com o mesmo cara. Isso me deixava livre para dar "tchau e a bênção" e prosseguir com minha pseudo-vida heterossexual. Lembro de pedidos de namoro no primeiro encontro que sempre me deixavam enojados de mim mesmo. Sempre que saía com outros caras, voltava para casa arrependido e iniciava um processo de auto-flagelação, que me forçava a prometer que nunca mais iria me encontrar com outro cara. Algo dentro de mim lutava contra meu verdadeiro ser e, até aquele momento, era mais forte - sempre vencia. E eu vivia assim.

Me encontrava com um cara e depois passava três, quatro, cinco meses curtindo minha "heterossexualidade". Depois, algo falava mais alto e eu tinha que me encontrar com outro homem. Naquela noite de 2006, eu estava no meu momento heterossexual. Eu, ao lado da minha vizinha, notava que ele me olhava e aquilo estava me deixando muito tenso. E a partir daí, não queria mais estar ao lado dela...

Acordei ao lado daquele cara - tínhamos ido para a casa dele. Ele ainda dormia e eu, acostumado a acordar cedo, sentei-me na cama e fiquei olhando para ele. Pela primeira vez, não tive vontade de sair correndo. Pelo contrário, queria continuar ali, deitado ao lado dele. Mas olhei mais uma vez, dei um beijo de despedida e fui para minha casa, não sem antes deixar o meu telefone em um pedaço de papel. Cheguei em casa e fui tomar um banho. Dessa vez, não me esfolei com uma bucha vegetal e nem escovei os dentes repetidas vezes como sempre fazia ao beijar outro homem. Não chorei debaixo do chuveiro por ter ido para cama com outro homem. Eu percebi no momento que vi aquele cara dormindo, que poderia me apaixonar por outro homem. Não estaria infligindo minha natureza. Estava iniciando meu processo de aceitação. Eu era (e sou) gay! E foi aí que eu senti aquela dor. O soco no estômago. Ou a dor de uma úlcera gástrica. Ainda não sei distinguir...

Valeu, E.

E você, escreve seu texto também. Mande para o e-mail:
digaxisparaopassarinho@gmail.com

Atenção, mande o texto no corpo do e-mail, não mande anexo.

Ass.: R

5 comentários:

Frandor Marc disse...

ótimo texto!
Nossa entendo muito bem como é passar por isso, essa época pré-aceitação em que se acredita poder viver como heterossexual mas acabamos nos rendendo a nossa natureza e muitas vezes nos culpávamos por isso!

.Guh disse...

hmm

nao passei por esse momento hetero
mas toda a negação foi tensa pra mim

graças a deus tive muita coragem pra contar pra primeira pessoa (uma grande amiga minha) e ter aceitação e apoio dela e de tantos outros (como os meus pais).


Muito bom que muitos de nós conseguem quebrar essas barreiras. combinemos que quando vc se acostuma a ser gay a vida ganha muito mais cor (mais até que a bandeira ahahahaha) :P

Eduardo disse...

Fico extremamente feliz por poder contribuir mais uma vez c o blog dos meus amigos R & L. Espero que, se benvindos, possa enviar mais textos futuramente! Todos nós temos, medos, angustias, lembranças ou simplesmente boas historias para contar!

Em relação a mim, apesar de sempre ter gostado de homem, vivia para uma aceitação na sociedade e não para uma própria aceitação! Somente a partir dos eventos que narrei nesse "Diário" que iniciei meu processo de aceitação... Não foi fácil para mim... Dependeu de trabalhos psico-terapeutas e do apoio irrestrito dos meus irmãos. E as coisas vem caminhando super bem.

Bjs a todos,

E!

..::voy::.. disse...

otimo texto. ^^
ainda escreverei tb sobre minha aceitação e afins...

abraços
voy

Anônimo disse...

Olá, E.,tudo bem?!
Acesso de vez em quando o blog O Lado Sério há algum tempo e hoje vi seu texto por aqui. Também moro em BH, com meu namorado, mas, como nenhum de nós dois é daqui, às vezes nos sentimos meio isolados. Gostaria de entrar em contato contigo. Topas? Dê um sinal de fumaça para o e-mail ffcdam@hot...
abs,
F.

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