quinta-feira, 20 de agosto de 2009

O Outro Diário de Bordo 4: sozinho na multidão... ou não?


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Claro que eu sempre soube, muito claramente e com pouquíssimas dúvidas, que era gay. Entretanto, até minha primeira "verdadeira experiência sexual com outro homem" (quer saber mais, volte um episódio da segunda temporada desta nossa sitcom), não posso dizer que vivi meu homossexualismo da forma que deveria. O primeiro fator, óbvio: medo. Afinal, como um rapazolinha de 15 anos, sem qualquer conhecimento no meio, poderia sobreviver em um universo desconhecido e historicamente ingrato que é o mundo gay? Lia sobre gays vítimas de toda espécie de crimes de ódio, ouvia os comentários anti-"bichas" vindos de gente próxima, falava-se bastante da AIDS e eu simplesmente morria de medo de ser o próximo "alvo" de todo esse blá-blá-blá.

O envolvimento rápido, intenso e apaixonado com o E. abriu definitivamente a porta do meu armário pessoal (olha, gostei dessa!). Quando eu e o E. nos distanciamos e nossos encontros conseqüentemente cessaram, fiquei meio perdido, sem saber o que fazer, o que procurar e onde procurar.

Inicialmente, as revistas voltadas ao público GLBT tornaram-se meu refúgio: fiz amizade com uma velhinha dona de uma banca de jornais e todo mês, morrendo de vergonha e com o coração praticamente explodindo pelo peito tal qual o Alien quando nasce (!), eu batia cartão lá na véia para discretamente e silenciosamente adquirir as "novidades", desde publicações como a clássica G Magazine e a saudosa Íntima, até as mais podreiras como Internacional e aquelas revistinhas de fotonovelas. Consideremos que, em 1995, não havia a Internet como é hoje e as "aventuras" de sujeitos como Leo Giamanni, Chris Rockway e Marcelo Cabral eram quase inacessíveis a nós, pobres bichinhas brazuquinhas. (Sim, eu sei o nome de alguns astros pornô-gay. Hehehe!) :-D

Pena que, depois de ler as revistas (e me aliviar com elas, hehehe), não tinha outra saída a não ser dar fim em tudo - não adiantaria pilomba nenhuma tentar esconder os "vestígios" da minha condição, certamente eu seria descoberto em no máximo 20 minutos. Olha, se tivesse guardado todas as publicações pornô-gay que comprei e joguei fora, hoje precisaria de um apartamento só para elas! :-)

Claro que em pouquíssimo tempo esta válvula de escape já não era suficiente. Não queria mais viver minha sexualidade na base da "descascada de banana"; eu queria viver MESMO. Queria beijar alguém, queria transar com alguém, queria extravasar todo meu tesão. Acima de tudo, queria conhecer e estar perto de gente como eu - em outras palavras, não queria mais ficar sozinho. Mas não fazia idéia de como procurar. Como encontrar meu mundo?

Passei a prestar mais atenção nos anúncios das revistas que comprava, e um destes anúncios me levou a uma sauna gay que prometia ser "a casa dos mais belos homens que o litoral já viu", mas na prática estava entupida de caras mais velhos e ultrabizarros e garotos de programa tão ou talvez até mais estranhos do que os freqüentadores. Em questão de minutos, quatro sujeitos que deveriam ter quase um século de vida cada um (!) exibiram suas partes murchinhas para mim (!!) e um deles, dizendo que adorava menininhos e "precisava me possuir" (!?!?!), quase me agarrou à força. Nem preciso dizer que saí de lá sem chegar perto de ninguém e sem qualquer intenção de voltar...

Certa ocasião, cabulei aula e fui ao cinema sozinho, em plena segunda-feira à noite. Cinema quase vazio, com no máximo 8 ou 9 pessoas, incluindo um sujeito bastante alinhado e bonitão, quase um apresentador de telejornal, e uma namoradinha qualquer a tiracolo. Fui ao banheiro, fui seguido pelo sujeito e, para minha surpresa, sem qualquer diálogo, troca de nomes ou coisa que o valha, partimos para um rápido sexo oral mútuo, só para que eu pudesse ir embora correndo em seguida, apavorado, morrendo de medo por conta do risco de se trancar em um canto com alguém que não conhecia e também pela falta de proteção durante o ato. Definitivamente, não tive muito talento para banheirão. Hahaha!

(Mas como todo Zé Mané sem vergonha alguma na cara, devo confessar que superei o medo e voltei ao cinema algumas vezes, na esperança de que o tal "apresentador de telejornal" estivesse por lá para me satisfazer com mais uma sessão de sexo oral, o que obviamente nunca aconteceu.)

Este evento, porém, acendeu uma lâmpada na minha cabeça: os gays, na verdade, estavam espalhados por todos os cantos, escondidos sob as mais variadas e indiscutíveis máscaras. Minha busca seria, provavelmente, muito mais fácil do que imaginava. Tudo o que precisava fazer era abrir os olhos, olhar com mais atenção. O que nos leva ao sujeito que identificarei por aqui como F.

F. era um marmanjão no alto de seus 35, quase 40 anos, morava no litoral de São Paulo com a noiva (dentista) mas trabalhava na capital (delegado de polícia). O rosto do Ben Affleck (com o indefectível cavanhaque), a barba cerrada do Eduardo Moscovis e o corpo gostoso-porém-fora-de-forma do Murilo Benício no Força Tarefa. Ou seja, cara de homem MESMO, e uma das pessoas mais safadas na cama que já conheci, por mais que fosse dono do menor pênis que já vi (e quem disse que "tamanho é documento", né não? hehehe). Descobri o F. porque ele bebia cerveja no mesmo boteco onde eu e meus amigos de cólegio fazíamos nosso happy-hour toda sexta-feira. Trocamos olhares, estes olhares duraram algumas semanas e, quando finalmente consegui driblar os amigos e ir ao boteco sozinho, ele estava lá e veio falar comigo.

Eu não sou gay, ele disse, só curto umas "brincadeiras". Eu também, respondi. Você me lembra um amigo de faculdade, ele disse, um amigo que dividia um quarto comigo e com quem eu costumava "brincar" bastante. Procuro alguém para "brincar", ele disse, e você é um cara bem legal. Também procuro alguém sem compromissos, respondi. Minha noiva trabalha o dia inteiro e eu trabalho só à noite, ele disse, que tal irmos para a minha casa? Com muito medo, mas tentadíssimo pela possibilidade de ter alguém para transar sem qualquer vínculo de amizade ou afeição, aceitei.

Nossos contatos eram simples: ele ligava para a minha casa, identificando-se como "um amigo", marcávamos um horário e F. me buscava em algum ponto neutro. Enquanto a noiva trabalhava, passávamos duas ou três horas transando na cama deles, e aquilo me incomodava demais, me fazia sentir a pior das pessoas pela simples questão da traição - e também pelo pavor que tinha de imaginar que ela poderia, a qualquer hora, aparecer por lá por "sair do trabalho mais cedo" ou algo do gênero.

Por outro lado, o F. era perfeito porque era muito bom de cama, e também porque não queria qualquer envolvimento além do sexo em si, ou seja, ótimo para quem, como eu, não queria de forma alguma ter um pseudo-namorado no pé para não dar bandeira. O problema é que não precisei de três encontros para ficar totalmente GAMADO - o que destoava totalmente de nossa proposta inicial.

A única solução viável seria acabar com os encontros. E parece que o F. sentiu a mesma coisa visto que, em nossa última transa, ele decidiu que não deveríamos mais nos encontrar. Não sei qual o motivo que o fez chegar à esta conclusão, talvez peso na consciência, sei lá. Concordei imediatamente, aliviadíssimo, mas não posso negar que sofri bastante. Na verdade, F. foi o primeiro cara que conseguiu me fazer chorar. Com ele, aprendi que o mundo gay pode ser bem cruel, não por conta dos crimes de ódio ou por preconceitos, mas porque caiu a ficha de que um relacionamento homossexual, seja sério ou descompromissado, seja às claras ou totalmente furtivo, jamais poderia ser vivido de forma tão simples como um relacionamento hétero. A certeza de que ainda me machucaria muito somente por ser gay doeu pacas. Nunca mais vi ou soube do F.

Bem, de volta à estaca zero, e ainda louco para encontrar minha "turma". E foi aí que descobri que minha cidade abrigava um dos maiores e mais comentados pólos gays do estado, e eu nem sabia disso! Mas esta é uma outra história, e fica para a próxima. ;-)

Ass.: L.

5 comentários:

Unknown disse...

historia MUITOOO boa. :D

E! disse...

Sua história é fantástica L. e muito parecida em alguns pontos com a minha! (mas quem começa na "clandestinidade" só pode ter pontos em comum mesmo). É mto bom ler seus textos; os do R. já leio com mais frequencia!

Não fique tanto tempo longe do blog...

Abraços

E! (que não é o E. da história)

L. disse...

E! (que não é o E. da história) é o máximo! Hahaha! :-D
O E. da história sumiu há muito tempo... faz tempo mesmo que não o vejo (e é até melhor assim senão o R. me mata!) ;-)
Pode deixar que aparecerei mais. Beijos! :-)

Ricardo disse...

A parte inicial da história é bem parecida com a minha: quando percebi que era homo, não tive conflitos internos, dúvidas, culpas. Mas sempre tive muuuuuuuuuito medo da reação das pessoas ao meu redor se elas soubessem. Mas as semelhanças param por aqui. Não comprei revistas, não transei na minha adolescência, não encontrei safadões no cinema. Não tive um E., um F. ou um R. na minha vida. Aliás, pelo que li nesses diários de bordo, pegaste uma boa parte do alfabeto, hem! Hehehehe, brincadeirinha.
Parabéns por ter tido a coragem de buscar o que te faz feliz. E vê se posta com mais frequência nos blogs (no DXPP e aqui). ;) Tuas histórias são bem legais.
Abraço.

Hbo disse...

Pô, o lado sério tá muito parado.=(

Sinto a falta desses textos.

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